Todo jantar perfeito em um bom restaurante deveria terminar com um bom café, certo? Mas a realidade tem mostrado que restaurantes renomados brasileiros ainda não identificaram a importância de servir um bom café para o consumidor.
Para sensibilizar os futuros chefs e profissionais da área de cozinha e nutrição, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) – parte da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo – vem desenvolvendo uma parceria com as Escolas Técnicas do Estado.
O projeto está em fase de estruturação e consiste, principalmente, na melhoria da formação dos futuros chefs de cozinha. As Escolas Técnicas Estaduais devem começar a incluir módulos específicos sobre café nos currículos.
Para saber mais sobre a iniciativa, conversamos com o pesquisador da Apta, Daniel Gomes. Ele já trabalha há oito anos com pesquisas relacionadas ao café e é corresponsável por dois concursos regionais de qualidade da bebida. Atualmente, Daniel também ministra cursos de degustação didática para consumidores.
Café, uma realidade difícil
O trabalho de formiguinha da Apta vem rendendo resultados: o pesquisador explica que um deles foi a volta do Leste Paulista (Região dos Circuito das Águas Paulistas) para ranking dos melhores cafés do país.
A percepção de Daniel é a de que tanto consumidores quanto produtores ainda desconhecem os parâmetros qualitativos do grão de café e da bebida. Para os consumidores, o resultado é o consumo de café de baixa qualidade, enquanto os produtores sofrem com a falta de retorno financeiro sobre a venda das sacas de café.
Para o produtor, a principal barreira para se produzir café de alta qualidade no Brasil tem sido o valor da venda do produto. “O preço pago por uma saca de café de alta qualidade quase sempre não é muito vantajoso para o produtor, visto que uma saca de café ordinário custa em torno de R$ 500 e uma de café de alta qualidade R$ 540 em média”, explica Daniel.
Apesar de não se referir especificamente ao café super-gourmet, mas sim a grãos de boa qualidade, a realidade vem mostrando que produzir café “bom” no Brasil ainda é uma realidade difícil.
Do outro lado, o consumidor
Se as bebidas consumidas no país ainda não são tão boas quanto poderiam ser, por outro lado, o consumidor é capaz de reconhecer facilmente um bom café. O pesquisador explica que nos cursos de Degustação Didática da Qualidade de Bebida de Café feita com consumidores, “a maioria deles estaria disposta a pagar mais por uma bebida de qualidade”.
Mas então, por que isso não acontece?
Para a Apta, a resposta está na acessibilidade: ainda é difícil encontrar bons cafés no mercado. Outro problema é o número de técnicos capacitados para reconhecerem grãos de qualidade. Daniel diz que, anualmente, são formados pouquíssimos técnicos habilitados.
O maior trabalho da Apta nesse sentido tem sido unir as pontas da cadeia. Eles vêm investindo na formação técnica e no trabalho direto com quem compra e serve o café. Ou seja: chefs de cozinha, cozinheiros e nutricionistas.
“Quando estes atores aprenderem o que é um café de qualidade, eles darão um passo à frente, passarão a consumir e servir cafés melhores nos estabelecimentos em que trabalham, virando grandes disseminadores da cultura do bom café”, diz Daniel. Ele explica também que caso a demanda seja grande, a Apta pensa em abrir turmas específicas para chefs de restaurantes em geral.
Uma mudança de currículo
Enquanto temas como cerveja e azeite já têm um peso grande no currículo escolar dos chefs, o café permanece um ilustre desconhecido. A intenção da Apta é de formar um grupo de professores das Escolas Técnicas utilizando a metodologia de prova PQC (Programa de Qualidade de Café)
O treinamento incluirá tópicos como os principais sabores do café, variedades, defeitos e origem dos grãos. Não apenas o curso de cozinha terá o conteúdo atualizado, mas também o de nutrição.
Além de disseminar a cultura do café, o curso também abre portas para os profissionais que desejam se inserir no ramo da cafeicultura. Além de ser um campo carente de profissionais, Daniel diz que a remuneração de especialistas em qualidade costuma ser boa.
A princípio, o curso é 30% teórico e 70% prático. Existe ainda a possibilidade de visitar fazendas produtoras. O pesquisador vem tentando coordenar parcerias com o Centro de Cafés do Instituto Agronômico (Iac), e com os laboratórios do Instituto de Tecnologia de Alimento (Ital).
Restaurantes: praticidade versus sabor
Quem frequenta alguns restaurantes de São Paulo tem notado a grande oferta de cafés em cápsula. Questionamos Daniel sobre o assunto. Ele explica que alguns bons restaurantes estão começando a servir capsulas de café em função da praticidade ou de subsídios das indústrias.
Na visão do técnico, as capsulas, no geral, são compostas por cafés um pouco melhor do que o que ele chama de “cafés de combate”. Um café encapsulado por atingir entre 50 e 60 pontos de qualidade (em uma escala de 0 a 100). Enquanto isso, o café comum costuma não passar dos 40 pontos.
“Porém, um café de qualidade tem pontuação de 75 a 83 pontos e é muito superior ao café em capsulas, que na maioria das vezes ainda é um blend de café arábica com robusta”, diz. Para ele, “quem gosta de café arábica e quer beber o melhor café, a capsula não deveria ser a primeira opção!”.
De forma geral, Daniel enxerga um desconhecimento geral sobre o café por parte da maioria dos chefs e pouca valorização do produto. “Nos restaurantes, é comum ter um serviço de qualidade, ter uma comida maravilhosa, o melhor vinho, a melhor cerveja, mas na hora de fechar a refeição, infelizmente a maioria serve um café modesto”, revela.
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